quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Em novo disco, Tom Zé estuda as origens remotas do tropicalismo


"O que faz o artista trabalhar é o incômodo. É como a ostra, que, durante anos, é incomodada por uma pedrinha, e dela faz uma pérola."
Mesmo com excelente memória, Tom Zé não se lembra ao certo se ouviu tal frase de Hans-Joachim Koellreutter ou de Ernest Widmer, seus professores na Faculdade de Música da Universidade Federal da Bahia, na qual ele ingressou, em primeiro lugar, em 1964.
No fim das contas, o que vale é que as palavras são uma tradução exata da incansável figura criativa do compositor e cantor baiano de Irará, que, mais de quatro décadas depois de ser um dos artífices do tropicalismo, dá agora sua versão sobre o movimento com o disco "Tropicália Lixo Lógico".



"O projeto de um disco que falasse desse assunto [tropicália] já existia há anos, mas eu tinha receio de me meter nessa tarefa. Finalmente deu coragem de ter medo", diz o compositor.
Tom Zé elaborou uma complexa tese com um sem fim de referências que vão da Escola de Sagres --reunião de navegadores portugueses do séc. 15-- a canções provençais, trovadores e culturas árabe, celta, assíria e egípcia.
O disco fala de alumbramentos e oralidade nos primeiros estágios do conhecimento de crianças de até dois anos, que ele chama de "analfatóteles na creche tropical".
Por volta dos sete, elas são apresentadas à lógica de Aristóteles. A soma disso com todo o conhecimento "virgem" anterior constitui o que Tom Zé batiza de "lixo lógico", que ficara isolado no "limbo do hipotálamo" dos protagonistas da tropicália, Gil e Caetano, durante anos.
No fim da década de 1960, inspirados pela efervescência de artistas --como Zé Celso, Hélio Oiticica, José Agripino de Paula, a retomada de conceitos de Oswald Andrade, Rita Lee, Os Mutantes e o rico momento do rock internacional (chamados por Tom Zé de "gatilho disparador")--, Caetano e Gil resgatam o adormecido "lixo lógico" e deflagram o tropicalismo.


PARTICIPAÇÕES

Aos 75 anos, sempre em busca de renovação, Tom Zé apresenta 16 temas inéditos --entre eles "Navegador de Canções", composto em 1972--, com participações de Emicida, Mallu Magalhães, Rodrigo Amarante, Pélico e do jovem músico pernambucano Washington.
"O primeiro encontro foi com Mallu. Fiz meia dúzia de músicas mais fluentes. Estava feita a parte que sempre preocupou o tropicalismo, de canções cantáveis e populares", diz Tom Zé.
Alguns temas servem para justificar a tese de Tom Zé, como "Apocalipsom A: O Fim no Palco do Começo" e "Apocalipsom B: O Começo no Palco do Fim", ambas com Emicida.
Além dessas, "Tropicalea Jacta Est", com Mallu, "Marcha-Enredo da Creche Tropical" e "Tropicália Lixo Lógico", com Washington, descoberto por Tom Zé em encontro com um vendedor de redes de seu bairro, Perdizes, em São Paulo, onde vive.
"Ele me disse: 'Eu tenho um filho que é cantor'. Eu pedi um CD, escutei e mandei o dinheiro da passagem pra ele vir gravar comigo."
Tom Zé não tenta reproduzir a sonoridade e a estética de discos do movimento tropicalista. O álbum traz canções leves, que falam de amor e inspirações cotidianas, como "O Motobói e Maria Clara", com Mallu, "Amarração do Amor", "Jucaju" e "De-De-Dei Xá-Xá-Xá", com Pélico.
Ainda há espaço para "Debaixo da Marquise do Banco Central", que relata o romance entre dois moradores de rua; "A Terra, Meus Filhos", "Aviso aos Passageiros", "Não Tenha Ódio no Verão", "Capitais e Tais" e "NYC Subway Poetry Department", com Rodrigo Amarante, inspirada em uma frase repetida pelo sistema de som do metrô de Nova York.
"Quando eu disse: 'Eu tenho canções cantáveis em minha mão, puxa, podia me aventurar na ideia do lixo lógico, da creche tropical'. Aí, finalmente eu entrei nesse corredor de desespero e pavor do qual saí com esse disco nos dentes."

fonte: www1.folha.uol.com.br


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